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Dez anos, uma série: como o canhão McNamara impulsionou a Nazaré no mundo do surf

todayjulio 18, 2021 12

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Esta história começa com Dino Casimiro, um profundo admirador da fúria do oceano, que num momento de excesso de entusiasmo e voluntarismo desencadeou um processo que viria a pôr a Nazaré no mapa do surf mundial. Vila de alegria estival e longos invernos, com um respeito sacramental pelo mar, a Nazaré não era conhecida como um spot para surfistas, muito menos a Praia do Norte com as suas monstruosas ondas, que o Canhão da Nazaré, um desfiladeiro submarino apontado à costa, faz ascender dezenas de metros. Não era, mas agora rivaliza com spots míticos para o surf de grandes ondas como Jaws, no Havai, ou Mavericks, na Califórnia. O primeiro passo para que assim fosse foi dado em 2005 por Dino, funcionário da autarquia, depois de um passeio. “Estava a caminhar e parei junto ao penhasco para ver a vista, e fotografei uma onda perfeita, incrível. Não percebi quão especial era essa imagem até chegar a casa. Aí pensei logo que devia fazer alguma coisa. Encontrei o site do Garrett [McNamara] e enviei-lhe um email com a fotografia, a dizer-lhe que tínhamos [na Nazaré] uma onda gigante.” Garrett respondeu-lhe. E, durante cinco anos, corresponderam-se, até que em 2010 o americano fez finalmente a viagem.

O episódio é narrado pelo próprio Dino em A Grande Onda da Nazaré, série documental que se estreia segunda-feira na HBO e recria em detalhe, com uma imensidão de imagens de arquivo e um vasto leque de entrevistados, a transformação desta pequena vila num destino de eleição para os mais corajosos surfistas do planeta. E o seu primeiro grande mérito é precisamente esse: mostrar como o North Canyon Project (nome dado à iniciativa de exploração e divulgação da prática deste desporto na Praia do Norte) foi um longo e colaborativo trabalho de equipa. McNamara correu as bocas do mundo, quando em 2011 bateu o recorde da maior onda alguma vez surfada, e justamente – era ele aquele sumido ponto deslizante na fotografia que mostra uma majestosa onda erguida diante do Farol da Nazaré, pondo a própria vida em perigo. Mas essa marca (78 pés, ou 23,8 metros) não era só fruto do seu empenho, sendo ele o único profissional de ondas grandes no projecto, mas também de vários amadores muito dedicados, que tornaram aquilo possível: Paulo Caldeira, Pedro Pisco, Paulo “Pitbull” Salvador, Jorge Leal (responsável pelos registos em vídeo e fotografia, essenciais para o sucesso de tudo isto), Lino Bogalho (o patrocinador local), ou Celeste (proprietária do restaurante homónimo, que alimentava esta gente toda). Mais a mulher de McNamara, Nicole – que organizou em um mês uma viagem intercontinental a partir de uma troca de emails –, o irmão desta, C.J., e os primeiros surfistas a juntarem-se a Garrett na Nazaré, logo em 2011, o inglês Andrew Cotton e o irlandês Al Mennie.

Ouviremos de todos eles, numa série em seis partes em que se percebe a evolução da Nazaré como spot de ondas grandes ao longo de toda uma década (como existe uma co-dependência entre surfistas e videógrafos, e estes estão sempre presentes para tudo, dentro e fora de água, é como se o tempo de produção também fosse de dez anos), culminando com o Nazare Tow Surfing Challenge 2020, prova da World Surf League, vencida a resistência inicial dos protagonistas do circuito mundial. Em que se percebe como o conhecimento e o respeito pelo mar podem evitar acidentes potencialmente fatais (está cá o brutal wipeout da brasileira Maya Gabeira, em 2013, cuja equipa não pediu quaisquer conselhos ao experimentado McNamara e abordou estas ondas de forma imprudente). Como o que torna a Praia do Norte tão desafiante não é tanto a altura das ondas, mas o facto de não haver qualquer zona de segurança na água, ao contrário dos populares spots no Pacífico. E como e de onde surgiu esta ideia de surfar ondas gigantes, assim como o percurso de McNamara (que arriscou nesta modalidade para sair da sombra do irmão).

O título original da série é 100 Foot Wave, fazendo referência à marca almejada por todos. Uma onda de 30 metros de altura. Algo que parece ter acontecido a 29 de Outubro de 2020, com o jovem português Tony Laureano, de 18 anos, em cima da prancha. Essa façanha, no entanto, aguarda confirmação das medições oficiais – e não surge em A Grande Onda da Nazaré, que tem realização de Chris Smith. Nela, McNamara, que nos quatro anos pré-pandemia foi fustigado por duas lesões incapacitantes, deixa no ar a vontade de continuar em busca dessa mítica e altíssima onda. E ele deve voltar à Praia do Norte na próxima temporada, aos 54 anos. Tem estado a preparar-se para isso. Se não chegar a cumprir o seu objectivo, saberá que ajudou outros a atingi-lo: porque é na Nazaré que esse recorde será estabelecido, e ninguém estaria na Nazaré se não fosse por ele.

HBO. Seg (estreia)

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